Por Emanuel Maiberg
A Destructive Creations, desenvolvedora de simuladores de assassinato em massa e do controverso Hatred, está de volta. Desta vez, o estudio polonês lançou o game IS Defense, no qual jogadores defendem as praias europeias contra um exército invasor do Estado Islâmico (EI). O que te parece?
Na ficção especulativa do jogo, o EI se espalha pelo Oriente Médio e pelo norte da África até formar um exército grande o suficiente para se lançar em uma invasão à Europa. Ao que tudo indica, a estratégia de defesa da OTAN é colocar uma única trincheira de metralhadores em cada local de desembarque da praia.
Eu, o jogador, devo defender o Ocidente das hordas selvagens disparando a metralhadora. Os barcos desembarcam na praia, combatentes do ISIS com armas pesadas e roupas explosivas correm em direção à minha posição e eu atiro em todos eles antes que cheguem muito perto.
O IS Defense tem um sistema de atualizações que pode ser utilizado para reforçar meu poder de fogo, saúde ou para solicitar ataques aéreos. É um jogo tão simples que chega a ser idiota. É mais ou menos como o Sabotage, um velho jogo para Apple II, no qual jogadores derrubam soldados paraquedistas, ou Beach Head do Commodore 64, com a diferença que o IS Defense foi desenvolvido com a tecnologia Unreal e está submerso em polêmicas.
O fato de que um jogo bobo e trivial utiliza um grupo terrorista da vida real e ativo é estranho por si só. Em geral, os games utilizam analogias ficcionais para evitar ofender as pessoas afetadas pelo problema e, quando um game utiliza o nome verdadeiro da organização terrorista, não é pouca coisa. Vira assunto político. Considere o caso do jogo Medal of Honor, de 2010, que incluía o Talibã e teve sua venda proibida em bases militares por esse motivo.
Além disso, o IS Defense me deixa ainda mais desconfortável por causa do que sabemos a respeito de seu desenvolvedor. Ele stá vinculado a grupos conhecidos pelo tipo de xenofobia evidente no IS Defense. Logo após o anúncio do lançamento de Hatred, a Polygon observou que o CEO da Destructive Creations Jarosław Zieliński curtiu uma página do Facebook chamada Polska Liga Obrony ou “Liga de Defesa da Polônia”. O grupo propõe mudanças na constituição da Polônia a fim de protegê-la do “Islã radical”, monitorar de perto os campos de refugiados e, como é possível perceber no vídeo a seguir, levar seus membros a estandes de tiro a fim de praticar mira.
“Fui acusado de ter ‘curtido’ a página do Facebook da ‘Liga de Defesa da Polônia’, que é contra o Islã, e não nacionalista”, Zieliński me contou por e-mail. “São duas coisas diferentes. Alguns de nós têm opiniões políticas de direita, mas tudo baseado em um pensamento racional, não no fanatismo abastecido pelo ódio. Incluindo eu mesmo. E eu ainda não saquei o que pode estar errado com o nacionalismo. As pessoas confundem e misturam esse termo, igualando-o ao nazismo, ao fascismo e ao chauvinismo. Não há nada de errado em ser patriótico e dedicado ao cuidado de seu povo e sua cultura.”
O IS Defense não afirma de forma explícita, ok. Mas também não é muito sutil a ponto de botar nas entrelinhas que os estrangeiros dessa são maus e devem ser tratado com preconceito. O IS Defense, assim como o Donald Trump nos Estados Unidos e os partidos nacionalistas ao longo da Europa, está culpando os refugiados pelos crimes em suas terras.
O medo de embarcações repletas de combatentes do EI armados nas praias da Europa por si só é absurdo, entretanto, esse imaginário já é bem familiar. Existem dezenas de embarcações chegando às praias da Sicília, da Espanha e da Croácia – as três fases do IS Defense –, porém, com refugiados desarmados. O IS Defense reimagina essas situações da mesma forma como os xenófobos fazem o tempo todo.
Zieliński não foge muito desse perfil. “Em primeiro lugar, há alguns anos, o EI afirmou que enviaria seus membros em meio aos chamados ‘refugiados’, e eles realmente fizeram isso, como todo mundo já sabe”, afirmou. “Em segundo, me desculpe, mas não acredito nas boas intenções desses ‘refugiados’. A maioria deles está vindo para a Europa viver às custas de auxílio social. Eles não vêm à procura de trabalho honesto ou para fazer alguma coisa positiva aqui. É claro, há gente honesta entre eles, que estão simplesmente buscando uma vida melhor e não tenho nada contra eles. Mas esses são uma minoria em meio à massa”
E ele continua. “Em terceiro lugar, esses imigrantes muçulmanos não vão se adaptar aos costumes e cultura da Europa, sem falar que nem vão se empenhar para isso, então nem tente me convencer de que será diferente. Acredito que a maioria dos europeus sabem que nada de bom está vindo desse monte de imigrantes. Não há nada a ser demonizado, eles mesmos já são demonizados.”
Achou ruim? Piora. “Além disso, não há nada em particular a ser demonizado nos muçulmanos, leia o livro deles e você verá que algumas coisas são óbvias. Não acredite na atitude ‘é uma questão de interpretação’, é uma merda total.”
Então, é isso. É muito difícil ver o IS Defense como algo além de um jogo explicitamente islamofóbico depois dessa explicação. E, em 19 de abril, todos os jogadores de PC do mundo poderão comprá-lo pelo Steam. A Valve mantém a posição de que o Steam é uma plataforma abertae que também não deixará de distribuir o Hatred.
Rami Ismail, que faz parte do estúdio de games independentes Dutch Vlambeer (Nuclear Throne, Ridiculous Fishing) e que deu uma palestra sobre a representação dos muçulmanos nos games na última Conferência dos Desenvolvedores de Jogos, não parecia lá muito preocupado com o IS Defense.
“Enquanto os jogos brincam com os medos das pessoas por meio de estereótipos presentes no momento e que afetam pessoas de verdade por meio da islamofobia, com seu inimigo predominantemente codificado como Daesh [EI], isso significa que (tecnicamente) o jogo não está usando ‘muçulmanos’ de modo geral como seus inimigos”, Ismail me disse por e-mail.
“Por mais que seja esquisito dizer isso, para mim o jogo simplesmente entra na fila dos muitos atiradores em primeira pessoa contemporâneos, especialmente nas partes em que o jogo assume que todas as pessoas no Oriente Médio estão lá unicamente para atirar no ‘herói americano’, mesmo quando se trata de uma invasão americana em um país estrangeiro.”
De fato, o aspecto mais constrangedor do IS Defense é que ele é só um pouquinho mais explícito na islamofobia do que outros jogos bastante populares como o Call of Duty. O Hatred também só é um pouquinho mais descarado no que diz respeito aos assassinatos banais e indiscriminados do que a maioria dos games, e suspeito que isso seja parte do motivo por que os críticos de games foram tão rápidos em condená-lo. A Destructive Creations é constrangedora para a indústria dos games porque eles simplesmente evidenciam aquilo que muitas das desenvolvedoras já estão fazendo.
“Em muitos aspectos, não acho que seja um jogo ‘polêmico’ ou ‘corajoso’ – é um gênero que já existe e diz respeito à perspectiva política mais aceita adotada atualmente em um game”, afirmou Ismail. “É um jogo tipicamente ocidental, jogado de uma perspectiva ocidental, com base na história dos jogos ocidentais, criado sobre os medos de seus criadores ocidentais.”
“Se tem uma coisa que chama minha atenção no IS Defense, é que os gráficos são bem impressionante.”
Tradução: Amanda Guizzo Zampieri