O Equilíbrio Social

Entre as responsabilidades que recaem sobre o Estado islâmico está a materialização do equilíbrio social na sociedade, já que se considera ao princípio do equilíbrio social, junto ao de segurança social, como um dos dois princípios gerais que delimitam a forma islâmica da justiça social e as idéias detalhadas do Islã sobre esta justiça que invoca e cuja consignas eleva. Sem esses dois princípios não fica para a justiça mais do que um conceito abstrato geral sobre o qual discrepam as sociedades humanas entre si”.[1]

Claramente se põe de manifesto à importância que a teoria islâmica brinda ao princípio do equilíbrio social, no ponto que permite ao Wali Al-‘Amr (ou seja o Estado neste caso) poder chegar a suspender leis gerais que chegam a converter-se em objeto de abuso ou que bem cheguem a formar um perigo para o equilíbrio geral, podendo causar anomalias no mesmo. Isto se faz patente no exemplo que propõe o mártir As-Sadr sobre vivificar a terra, já que a norma outorga ao indivíduo o direito a vivificá-la, mas na época atual ditar norma pode chegar a ser objeto de abuso de forma que implique um perigo para o equilíbrio geral, já que o ser humano na época dos trabalhos manuais era incapaz de vivificar uma superfície extensa por causa de sua falta de poder por si só de levar a cabo isso, sendo que para tal tarefa está proibido contratar empregados, pelo que necessariamente tinha que realizar ele diretamente o trabalho de vivificação em limites determinados, enquanto as coisas são diferentes nas épocas do trabalho baseado nas máquinas – ferramentas, já que é possível que esteja na capacidade de uma pessoa vivificar superfícies muito extensas e vastas sem dificuldade por causa da proliferação e desenvolvimento das ferramentas. Dessa forma, uns poucos indivíduos podem ameaçar o equilíbrio geral pelo que tal lei – a anteriormente mencionada com respeito ao direito a vivificar a terra – formaria um impedimento para concretizar o equilíbrio e constituirá um perigo para ele. É por isso que a teoria islâmica conferiu ao Wali Al-‘Amr (o Estado) a faculdade para suspender tal lei se é que implica um resultado como esse, e para regulá-la de uma forma que harmonize com as idéias do Islã sobre a justiça social.[2]

Então, qual é a opinião do Islã sobre o equilíbrio social, e qual é o caminho para concretizá-lo?

O mártir As-Sadr opina que a visão islâmica se apóia em duas realidades: uma delas é a realidade existencial cujo conteúdo é “(reconhecer) a desigualdade dos indivíduos da espécie humana no que se refere às diferentes particularidades e atributos internos, mentais e físicos. Por conseguinte, eles se diferenciam no relacionado à paciência e a valentia, o poder de decisão e esperança, a agudeza de perspicácia, a rapidez de improvisação, e no poder de inovação e inventiva, como assim também se diferenciam no poder de seus músculos e a estabilidade de seus nervos, e assim também em outras coisas que a sua vez formam os componentes da personalidade humana, a qual foi distribuída em diferentes níveis entre as pessoas”,[3] e para cuja formação influem muitos fatores entre os que se contam a herança genética, a disposição interna, o meio ambiente, etc.; e é por isso que o mártir As-Sadr recusa explicar as diferenças de uma maneira materialista, em base a que “isso forma um fenômeno circunstancial que, por exemplo, desprende-se de fatores econômicos”,[4] e isso porque “não é possível de nenhum modo que o fator econômico ou qualquer outra situação social seja suficiente para explicar a manifestação dessas diferenças e antagonismos particulares entre os indivíduos, e senão, por que assumiu tal pessoa o papel de escravo, enquanto outra assumiu o papel de senhor e soberano? Ou por que tal indivíduo chegou a ser inteligente e a estar dotado do poder de inovar, enquanto o outro é inativo e incapaz de produzir algo? Por que essas duas pessoas não podem trocar seus papéis dentro do marco geral do sistema?”.[5] Então, naturalmente que será um erro e necessário dizer que: “este indivíduo chegou a ser perspicaz já que assumiu o papel de senhor e amo na estrutura de classes, e que o outro chegou a ser inativo já que assumiu o papel de escravo nessa ordem”, já que para que este último ocupe o papel de escravo e aquele o papel de amo, necessariamente deveria existir um ponto que diferencie entre ambos, que permita ao amo convencer ao servo de que a distribuição dos papéis seja desta forma.”[6]

Quanto à outra realidade da qual parte o Islã para construir seu ponto de vista sobre o equilíbrio em base à mesma, é a norma doutrinal que dispõe que: o trabalho é o fundamento para que se estabeleça a propriedade privada.

Em base a estas duas realidades, faz-se patente à solução do Islã e sua concepção sobre a questão do equilíbrio social, já que se manifesta como natural o fato de que o Islã reconheça essas diferenças “já que isso é produto das duas realidades nas quais crê conjuntamente, e não vê que isso represente um perigo para que se estabeleça o equilíbrio social, nem vê que tenha antagonismo com isso”.[7] Em base a estas duas realidades, resume-se a visão do Islã em que “o equilíbrio é aquilo que se dá entre os membros da sociedade ao nível dos meios de vida, e não ao nível dos rendimentos. O equilíbrio ao nível dos meios de vida significa: que a riqueza se encontre entre os membros da sociedade, e se encontre a seu alcance no ponto que permita a cada indivíduo viver num nível geral, ou seja, que todos os membros da sociedade vivam em um nível similar de vida, conservando suas particularidades dentro deste único nível de vida, que é por causa das quais se diferencia a maneira de viver, só que isso nada mais é do que uma diferença de particularidades, e não forma uma contradição geral dentro do mesmo nível, como o são as contradições severas entre os níveis de vida na sociedade capitalista”.[8] Assim vemos que aquilo que o Islã aceita são as diferenças que se apresentam dentro de um mesmo nível de vida. Quanto à contradição que dispõe a alguns no cume da dilapidação e o vil esbanje, e dispõe a outros numa vida estreita e uma pobreza nefasta e a privação, isso é algo que o Islã não aceita de nenhum modo, senão que em mudança se esforça por combater situações enfermas como essa. É assim que se empenha em concretizar o equilíbrio social no que faz ao nível de vida mediante dois caminhos: “por meio de pressionar o nível de vida desde o alto ao proibir o esbanje, e pressionando-o desde abaixo ao elevar àqueles que vivem um nível de vida inferior até um mais alto”.[9]

O segundo caminho se manifesta na responsabilidade do Estado em satisfazer àqueles cujos rendimentos são pobres e não chegam ao padrão de vida comum. Narrou-se de Abû Basir que “lhe perguntou ao Imam Yá‘far As-Sadiq (A.S.) com respeito a um homem que possuía oitocentos dirhames, que era sapateiro e que tinha uma grande família a seu cuidado, talvez se lhe permite que tome algo do zakat? O Imam lhe respondeu: “Oh Abu Muhammad! Talvez ganhe os dirhames suficientes para cobrir os gastos de sua família e depois disso lhe sobra algo?”. Abû Basir disse: “Sim.” Então o Imam expressou: “Se é que o que lhe sobra depois de cobrir suas necessidades chega a ser uma quantidade igual à metade do que lhe faz falta para suas necessidades, então não lhe corresponde o zakat. E se (o que lhe sobra) chega a ser menos da metade do que precisa para seus gastos, então pode tomar do zakat, e o que tome (do zakat) deve reparti-lo em sua família de forma que lhes eleve ao nível da gente”.[10]

São muitos os hadices como este que se narram, e todos assinalam esta mesma realidade. É por isso que a responsabilidade do Estado de concretizar um estado de equilíbrio, constitui um dever contínuo e não restringido a um tempo sem que reja para outro, nem também não chega a suspender-se, desde que o Islã deu flexibilidade aos conceitos de riqueza e pobreza, sendo delimitadas pelas circunstancias espaciais e temporárias.[11]

Para materializar este objetivo, o Estado deve esforçar-se por combater qualquer fenômeno que ameace o equilíbrio e trate de aprofundar o abismo e as diferenças entre os indivíduos de uma forma ilícita, e inclusive também ainda que isso se produzisse mediante métodos lícitos, se é que esses métodos chegassem a ameaçar o equilíbrio social.

Os casos de aplicação para atingir o equilíbrio social que se manifestam nas normas econômicas do Islã são numerosos; por exemplo “o Islã proibiu o lucro sem que se realize trabalho no caso de que uma pessoa alugue uma terra por um preço determinado e a sub-alugue por outro preço para fazer-se da diferença entre os dois arrendamentos, e assim mesmo qualquer outro caso que se lhe assemelhe.”[12] Assim também “o Islã proibiu algumas ocupações estéreis desde o ponto de vista produtivo, como os jogos de azar, a prática da bruxaria e a prestidigitação (mágica, ilusionismo). Não permite que se lucre mediante essas atividades tomando dinheiro em torno disso…”.[13] O Islã proibiu a concentração da riqueza num pequeno grupo, já que isso inevitavelmente ameaça o equilíbrio[14]; assim também proibiu o monopólio (de mercadorias) e aproveitar-se (maliciosamente) de circunstâncias sociais, “e proibiu o Islã a usura, fazendo-o de uma forma categórica e sem condescendências ao respeito, e com isso pôs fim ao pagamento de interesses e seus graves resultados na área da distribuição da riqueza, e à perturbação do equilíbrio econômico geral que isso implica”.[15]

A teoria islâmica não se restringe a limitar o conceito de equilíbrio, senão que se faz cargo de prover os meios necessários para que o estado leve à prática e materialize tal conceito. O mártir As-Sadr esquematiza esses meios nos seguintes pontos:

Primeiro: Prescrever impostos fixos que se recolham de forma contínua, e a partir disso se custeie a observância do equilíbrio geral.

Segundo: Estabelecer bens de propriedade do Estado, e dirigir ao Estado à exploração desses bens para tentar o equilíbrio.

Terceiro: A natureza da legislação islâmica, a qual regula a vida econômica nos diferentes âmbitos.

[1] Ver: Iqtisaduna, pp. 286 y 287.
[2] Ver: Ibíd., p.641.
[3] Iqtisaduna, p.667.
[4] Ver: Ibíd., p.113, onde o mártir As-Sadr discute o conceito das classes no marxismo.
[5] Ibíd., pp.667 y 668.
[6] Ibíd., pp.667 y 668.
[7] Ibíd., p.669.
[8] Iqtisaduna, p.669.
[9] Iqtisaduna, p.669.
[10] Ibid., p.671.
[11] Ibíd., p.669.
[12] Ibíd., p.621.
[13] Ibíd., p.623.
[14] Ibíd., p.627.
[15] Ibíd., p.353.

Primeiro: Prescrever impostos fixos.

O conceito de imposto a evoluir a partir de uma quantidade que pagavam os cidadãos ao governante como um serviço para ajudar-lhe a fazer efetivos os projetos públicos, até chegar a formar uma cooperação e participação nos ônus gerais de uma forma permanente e obrigatória, e desta forma chegou a ser um preceito obrigatório cujo abono é forçado para todo cidadão. Desta forma o conceito de imposto constitui um preceito “segurador” sobre a riqueza, que o Estado fixa de forma terminante e direta para utilizá-lo em concretizar seus objetivos gerais. Com isto, faz-se patente à diferença entre o mesmo e o “imposto”, já que este último significa um custo em dinheiro que o beneficiado pague ao Estado a diferença de um serviço particular e determinado que está qualificado como “serviço público”. Desta maneira o conceito de imposto não tem lugar senão no caso de uso “do serviço público” como para que o beneficiário pague a diferença um custo em dinheiro, enquanto o cidadão paga o imposto sem que o faça por algo a diferença, já seja que faça uso ou não do serviço público, já que às vezes o cidadão utiliza serviços públicos sem ter pagado impostos – como quando não está obrigado a pagá-los- e outras vezes é outro cidadão o que não faz uso dos mesmos estando obrigado a pagá-los. Com isto o imposto forma a cooperação e participação nos ônus públicos em conformidade à suficiência dos cidadãos e suas possibilidades econômicas, e é o que se manifesta nos encargos econômicos obrigatórios (devoções) que o Islã tem preceituado, como o Zakat e o Jums, inclusive no “imposto” chamado Yiziah (que tem preceituado, e cuja diferença apóia em que, a diferença dos dois mencionados, carece do aspecto devoção), o qual conquanto se impõe seu pagamento aos não-muçulmanos dentre os cidadãos do Estado islâmico a mudança de que se encontram isentos de outros encargos como o Zakat e o Jums, e a mudança dos serviços que lhes brinda o Estado islâmico, inclusive neste imposto se manifesta o conceito de segurança social, e é por isso que aqueles dentre os não-muçulmanos que possuem rendimentos limitados se encontram excetuados de pagar a Yiziah,[1] apesar de beneficiar-se dos serviços públicos que provê o Estado e do fato de ter o direito ao seguro social, como já veremos.

Quanto à matéria que é objeto do imposto no Islã, é variada desde que abarca a riqueza monetária (como o ouro, a prata, as moedas); o patrimônio animal (como o camelo, a vaca e as ovelhas); a riqueza vegetal (como o trigo, a cevada, a tâmara e as uvas passas); a riqueza marinha (como o que se extrai do mar mediante o mergulho); o lucro líquido do comércio (como o que lhes sobra dos ganhos da indústria aos donos de indústrias, depois de extrair os gastos para sua família de um ano completo) e da riqueza agrícola (como o que lhe sobra ao agricultor depois de cobrir os gastos de sua família por um ano completo); os bens confusos (como é o caso da propriedade lícita que se encontra misturada com a ilícita), etc., …[2], e delegou ao Wali Al-Amr a faculdade de imporem impostos sobre coisas que não foram estipuladas (na shari‘ah) em casos de necessidade, e sobre matérias nas que o Wali ver a necessidade de que sejam objeto de impostos, e isso para poder incrementar os gastos públicos, para reduzir o nível de disparidade, ou para materializar o equilíbrio social, já que “às vezes acontecem sobre a vida social situações imprevistas e fora do comum, ou bem ocorrem grandes brechas econômicas, que requerem grandes gastos e que não os pode cobrir aquilo que foi objeto de impostos em situações ordinárias, como ocorre no caso da guerra. Em circunstancias como esta, o Estado islâmico recorre à implementação de novos impostos dentro dos limites do que a nação requeira, e dentro das possibilidades da comunidade para encher essas brechas”[3]. É assim que muitos dos juristas muçulmanos opinaram que cada vez que o Estado islâmico observe uma insuficiência nos fundos necessários para garantir os gastos que requerem os lineamentos gerais, é-lhe permitido impor a seus cidadãos novos impostos sobre o que está estipulado (na lei islâmica)[4], a cada qual segundo suas possibilidades e capacidades econômicas, e isso é algo que se manifesta nas expressões do mártir As-Sadr referentes à segurança social e à faculdade do Estado de impor a seus súditos o cumprimento das obrigações jurídicas que sobre eles recaem[5], entre as que figura o pagamento dos impostos dos que depende a administração dos assuntos gerais do Estado, ou a concretização da segurança social. Desta forma se põem de manifesto às pautas para proibir o monopólio (de artigos de primeira necessidade), já que o Islã não limita o princípio de propriedade privada no que se refere à quantidade, senão que proibiu o fato de não ser utilizado sendo isso precisado na causa de Deus, e é do que depende a constituição da religião de Deus e os interesses e assuntos da sociedade muçulmana. Se o muçulmano expõe seus bens e os expõe ao Wali Al-Amr, então não se considerará que este muçulmano está opondo-se à causa de Deus, nem seus bens se considerarão como objeto de monopólio ilícito[6]. Tudo isto indica o fato de que se permite impor novos impostos sobre os bens, ainda que não estejam estipulados na shari‘ah, e é por isso que se considera que entesourar o ouro e a prata – em sua qualidade de ser uma das formas de intercambio monetário – é um delito que no Além tem como castigo o fogo infernal, já que o entesouramento implica, pela natureza do ato, resistir-se ao pagamento dos impostos obrigatórios juridicamente.[7]

Quanto à relação que os impostos têm com os propósitos do equilíbrio social, isso se manifesta através dos textos estipulantes, parte dos quais expõe o mártir As-Sadr:

De Ishaq Ibn ‘Ammar, que disse: Disse-lhe ao Imam Yá‘far Ibn Muhammad: “Talvez se pode dar a um homem cem dinares como zakat?”. Disse: “Sim”. Disse: “E duzentos?”. Disse: “Sim”. Disse: “E trezentos?”. Disse “Sim”. Disse: “E quatrocentos?”. Disse “Sim”. Disse “E quinhentos?”. Disse: “Sim… até que lhe volte desnecessário”.[8]

Narrou-se de Abu Basir que o Imam Yá‘far As-Sadiq (A.S.) falou sobre aquele a quem lhe é obrigatório pagar o zakat mas cujo estado não é de profusão e soltura, e disse: “Distribui-o entre sua família que está a seu cuidado para sua alimentação e vestimenta, e o que sobra o dá aos outros. Quanto ao zakat que recebe (por corresponder-lhe) distribui-o entre sua família de forma que lhes faça atingir o nível da gente (comum)”.[9]

Narrou Ishaq Ibn ‘Ammar: Disse-lhe ao Imam As-Sadiq (A.S.): “Se lhe dá a um homem oitenta dirhames como zakat?”. Respondeu: “Sim, e mais do que isso”. Perguntei: “Lhe dou cem?”. Disse: “Sim, e volta-o desnecessário se é que tens a capacidade de fazê-lo”.[10]

Estas narrações indicam que entre as funções do imposto está concretizar o equilíbrio entre os membros da sociedade e acercar o pobre ao rico.

Com respeito ao sentido destas narrações, o mártir As-Sadr diz o seguinte: “Então estas narrações ordenam pagar o zakat e outros encargos similares, no ponto que o indivíduo atinja o nível da gente, ou até que já não se veja precisado, ou bem até cobrir suas necessidades primárias e secundárias entre as que se conta a comida, a vestimenta e o casamento, segundo as diferentes expressões que foram transmitidas nos hadices, todas as quais tentam um mesmo significado: generalizar a riqueza em seu sentido islâmico e originar o equilíbrio social ao nível dos meios de vida”.[11]

Desta maneira o equilíbrio social é um dos objetivos que o Estado islâmico trata de concretizar de uma maneira permanente e não provisória, desde que o Islã não dá à pobreza um significado absoluto e um sentido invariável, e pelo fato de que alguns não cheguem ao alcance de outros no que se refere em nível dos meios de vida indica uma anomalia no equilíbrio social que o Estado islâmico tem o dever de reparar para concretizar o equilíbrio na sociedade .

Tudo isto se resume em que: “o importante no estabelecimento de impostos monetários no Islã, é que o propósito dos mesmos não é somente arrecadar o dinheiro suficiente para facilitar os serviços sociais, e cobrir os gastos do Estado islâmico, conquanto em qualquer caso tudo isso forma grande parte do propósito do estabelecimento de impostos… senão que o importante do estabelecimento de impostos monetários é absorver as riquezas excedentes dos rendimentos das classes ricas, e dirigi-las para as classes pobres, ou para as dependências sociais que se formam em benefício dos pobres”.[12]

[1] Ver: As-Shaij At-Tûsi, Abû Ya‘far Muhammad Ibn Al-Hasan; Kitab ul-Jilaf, T.3, p.185, ed. Hiyari, Iran.
[2] Ver: Kitab An-Niham Al-Mali wa Tadawul Az-Zarwh fil Islam, del Shaij Muhammad Mahi Al-Asifi.
[3] Al-Asifi, Shaij Muhammad Mahi; Kitab An-Niham Al-Mali wa Tadawul Az-Zarwh fil Islam, p.28, 3ª edição, Beirut, 1973.
[4] Ver: Mártir Beheshti, Al-Iqtisad Al-Islami (La Economía Islámica), p.138, ed. Dar At-Ta‘aruf, Beirut, 1988.
[5] Ver: Iqtisaduna, p.660.
[6] ‘Al•lamah Tabatabai, Muhammad Husain; Tafsir Al-Mizan, T.9, pp.250-251, 2ª edición, 1971.
[7] Ver: Iqtisaduna, p.353.
[8] Al-Wasa’il, de Al-Hurr Al-‘Amili, T.6, p.180.
[9] Al-Wasa’il, de Al-Hurr Al-‘Amili, T.6, p.159.
[10] Al-Wasa’il, de Al-Hurr Al-‘Amili, T.6, p.179.
[11] Iqtisaduna, pp.674 –675.
[12] Al-Asifi, op. cit. , p.21.

Segundo: Originar bens públicos

Na economia islâmica a existência de bens públicos se considera natural pelo direito da comunidade islâmica de beneficiar-se de suas riquezas e abastecimentos, em sua condição de dona real desses abastecimentos e riquezas. Este direito se põe de manifesto na propriedade comunitária e a propriedade do Estado. A natureza da legislação islâmica assinala claramente esta realidade, como sucede com o direito dos indivíduos à segurança social e a proibição do monopólio; a proibição de que indivíduos possuam o controle das riquezas naturais e restringir-se só ao aproveitamento das mesmas; o direito dos indivíduos de vivificar a terra morta e adquirir o direito à primazia sobre o usufruto dessas riquezas, e essa vivificação ou primazia não conformará senão uma das formas possíveis que o Estado utiliza para explodir as propriedades públicas[1], já que lhe é possível proibi-lo se é que chegasse a ocasionar prejuízos a essas propriedades. Inclusive a responsabilidade do Estado islâmico se manifesta claramente frente a seus cidadãos em relação a estes bens em sua condição de custodio das propriedades da comunidade, da propriedade que volta ao Estado, e da exploração das mesmas de uma forma que materialize a prosperidade dos cidadãos e seus verdadeiros proprietários.

O mártir As-Sadr opina que o caminho doutrinal para concretizar o seguro social é a idéia de estabelecer bens públicos, e é o que inspira o seguinte parágrafo do Alcorão da Sura Al-Hashr:

«E tudo quanto Deus concedeu ao Seu Mensageiro, (tirado) dos bens deles, não tivesse de fazer galopar cavalo ou camelos algum para ele conseguir isso. Deus concede aos Seus mensageiros o predomínio sobre quem lhe apraz, porque Deus é Onipotente.

Tudo quanto Deus concedeu ao Seu Mensageiro, (tomado) dos moradores das cidades, corresponde a Deus, ao Seu Mensageiro, a seus parentes, aos órfãos, aos necessitados e aos viajantes, isso, para que (as riquezas) não sejam monopolizadas pelos opulentos, dentre vós».

(Surata 59, Al-Hashr, versículos 6-7).

Diz o mártir As-Sadr comentando o parágrafo do Alcorão: “Neste texto do Alcorão podemos encontrar alusão ao fundamento no que se baseia a idéia da segurança social, e é o fato que a comunidade inteira tenha direito à riqueza, («De forma que não seja um intercambio entre os ricos dentre vocês»); encontramos uma explicação de porquê o destino daquilo que foi tomado dos inimigos incrédulos sem ter mediado batalha foi ter sido disposto como parte das propriedades públicas, ao formar um caminho para garantir esse direito e impedir que alguns indivíduos da comunidade monopolizem a riqueza; e encontramos uma ênfase da obrigatoriedade de utilizar os bens públicos em benefício dos órfãos, os indigentes e os viajantes que ficaram sem recursos, de forma que todos os membros da comunidade atinjam seu direito a aproveitar-se dos recursos naturais que Deus criou em serviço do ser humano”.[2] É por isso que “a surata indica claramente que dispor aquilo que foi tomado dos inimigos incrédulos sem ter mediado batalha para custear os gastos dos pobres tem como objetivo fazer que a riqueza se encontre generalizada entre os membros da sociedade e ao alcance dos mesmos, para que com isso se proteja o equilíbrio social geral e não seja um intercambio entre os ricos exclusivamente”.[3]
Quanto à relação que existe entre os bens públicos e o equilíbrio social, o mártir As-Sadr a expõe mediante o hadiz transmitido do Imam Al-Mûsa Al-Kazhim (A.S.) que diz: “Disse, enquanto se encontrava falando sobre a parte do jums que lhe corresponde aos órfãos, aos indigentes e aos viajantes que se ficaram sem recursos, que o wali reparta entre eles em base ao Livro de Deus e a Tradição do Profeta (S.A.W) o que lhes abasteça por um ano, e se sobra algo que fique em mãos do wali, e se não pôde cumprir-se com isso ou não foi suficiente para abastecer-lhes (por esse tempo), será dever do Wali gastar de sua parte na medida que lhes abasteça”.[4]

O mártir As-Sadr -que Deus se apiede dele – expressa que o parágrafo “de sua parte” “…indica que fora do zakat há outros rendimentos do tesouro público que abarcam sua utilização em pró de produzir o equilíbrio mediante o abastecimento dos pobres e elevando seu nível de vida.”[5] Desta maneira, “o Islã não se restringe aos impostos estáveis que tem preceituado para produzir o equilíbrio, senão que designa ao Estado como responsável de custear o necessário para este objetivo através dos bens públicos”.[6]

[1] Al-Islam Iaqûd-ul Haiat, p.86
[2] Iqtisaduna, p. 666.
[3] Ibíd., p.677.
[4] Usûl Al-Kafi, t.1, p.540.
[5] Iqtisaduna, p. 676.
[6] Ibíd.

Terceiro: A natureza da legislação islâmica

As disposições islâmicas – além dos impostos estáveis e os bens públicos- também são auxiliadas por sua própria natureza para concretizar o equilíbrio social e criá-lo. Essas disposições são numerosas e o mártir As-Sadr se limita a assinalar só algumas delas o modo de exemplo, entre as que se contam: a anulação do interesse, as normas da herança, a proibição do kanz, a proibição do usufruto capitalista das riquezas naturais em bruto, etc., e todas elas se propõem originar o equilíbrio social e concretizá-lo; além disso, conta-se com as concorrências do Estado no marco da zona “de esvaziamento”. “Então, a proibição de entesourar os gêneros monetários, e a norma de anular os interesses (bancários) terminam com o papel dos bancos capitalistas de engendrar o antagonismo e de perturbar o equilíbrio social, e lhes despoja de seu poder para aproveitar grande parte da riqueza dos países, que é precisamente o que praticam esses bancos nos países capitalistas através de animar à gente a depositar e seduzi-los com os interesses”.[1] Ao tirar-lhe ao capital individual o poder de dominar os âmbitos de produção e de comércio, elimina-se a forma que prejudica o equilíbrio. Dessa maneira, o capital individual perde as possibilidades de empreender grandes projetos, sobretudo mediante a ausência dos bancos que tratam com o interesse, e com isso os bens públicos terão frente a si as portas abertas para administrar projetos como esses garantindo e protegendo o equilíbrio social.

Quanto à disposição das normas da herança, estas também se propõem concretizar o equilíbrio social procurado, através de dividir a riqueza, a qual se translada de uma só pessoa concedendo-se geralmente a vários dentre os parentes do falecido.

Quanto à idoneidade do Estado de cobrir a zona de esvaziamento, este é um caminho amplo e um método flexível para concretizar o equilíbrio conforme ao que requerem as circunstâncias e as situações.

Ibíd., p.678.